Marco Faustino
Não é verdade que a vacinação contra a Covid-19 fez explodir o número de casos de doenças cardíacas em crianças, como afirma o jornal irlandês The Irish Light, cuja capa é difundida nas redes sociais (veja aqui). A reportagem é baseada em dados presentes em uma plataforma do governo norte-americano que não estabelece uma relação entre a aplicação das vacinas e doenças cardíacas, e em uma comparação equivocada entre taxas de mortalidade presentes em um relatório do governo britânico.
Publicações com a alegação enganosa somavam 13 mil visualizações no Telegram e centenas de compartilhamentos no Facebook nesta terça-feira (28)
Selo falso
Capa do jornal irlandês "The Irish Light": Doenças cardíacas em crianças explode desde vacina
É falsa a informação presente na capa do jornal irlandês The Irish Light de que o número de doenças cardíacas em crianças explodiu por causa da vacinação contra a Covid-19. A reportagem publicada no tabloide em junho é baseada em dois argumentos: dados do governo dos Estados Unidos que não estabelecem uma relação causal entre moléstias cardíacas e imunização e uma interpretação distorcida de um relatório publicado pelo escritório de estatísticas do governo da Inglaterra.
O primeiro argumento enganoso é de que dados oficiais do CDC (Centers for Disease Control, órgão de saúde do governo dos EUA) apontam 48.033 reações adversas em crianças, sendo 12.548 eventos graves e 106 mortes, até 22 de abril deste ano. Esses dados estão no Vaers (Vaccine Adverse Event Reporting System), plataforma do órgão que permite a qualquer pessoa relatar possíveis eventos ocorridos após uma vacina, sem provas ou verificação de identidade. Essa plataforma não estabelece relação causal.
Também é falso que esses números se referem ao total de casos de doenças cardíacas em crianças vacinadas. Segundo o CDC, até 9 de junho, o Vaers recebeu 1.007 relatos de miocardite e pericardite (doenças cardíacas) em pessoas com menos de 18 anos — faixa etária em que já foram administradas mais de 55 milhões de doses da vacina. Desses relatos, 263 estavam sob revisão e 651 atendiam aos critérios. Isso também não quer dizer que essas doenças foram causadas pela vacina, como explica o próprio Vaers no seu site.
O CDC informou ao Projeto Comprova que, até o momento, "não observou nenhum relato de morte após a vacinação com imunizantes de mRNA em que o curso clínico ou os achados da autópsia fornecem evidências claras de que a morte pode ser atribuída à miocardite associada à vacina". Os imunizantes da Pfizer e da Moderna, que utilizam a tecnologia de mRNA (RNA mensageiro), são os únicos aprovados para vacinar crianças e adolescentes nos Estados Unidos.
"Vários estudos e revisões de dados de sistemas de monitoramento de segurança de vacinas continuam mostrando que as vacinas são seguras", ressaltou o CDC. O órgão reforça que os relatos presentes no Vaers, inclusive de óbitos, não significam que uma vacina causou um problema de saúde.
Taxa de mortalidade. O segundo argumento enganoso é uma interpretação errônea das taxas de mortalidade descritas em um relatório do ONS (Escritório Nacional de Estatísticas do Reino Unido). O erro foi publicado inicialmente no site britânico The Exposé, com uma reportagem que dizia que a taxa de mortalidade a cada 100.000 crianças não vacinadas entre 10 a 14 anos era de 4,58, e a de crianças vacinadas com menos de 21 dias após a segunda dose, dessa mesma faixa etária, era de 238,37 — número 52 vezes maior.
Essa interpretação, no entanto, é "altamente enganosa", segundo informou o ONS ao Aos Fatos. Na maior parte do período analisado, de 1º de janeiro a 31 de outubro de 2021, a vacinação contra Covid-19 era prioritária para crianças com doenças que poderiam ser agravadas pelo novo coronavírus. Essa informação, verificada em fevereiro pela Reuters, foi omitida pelo site britânico e pelo jornal irlandês.
"As taxas de mortalidade devem ser interpretadas com cuidado para crianças devido à forma como as crianças em risco foram priorizadas. Crianças e jovens clinicamente vulneráveis possuem taxas de mortalidades maiores do que aquelas sem comorbidade, e isso explica o motivo pelo qual crianças vacinadas têm uma taxa de mortalidade maior do que as não vacinadas", diz o escritório britânico.
No Reino Unido, crianças de 12 a 15 anos clinicamente vulneráveis e pessoas que vivem com pessoas imunocomprometidas foram as primeiras a serem vacinadas, em agosto de 2021. A vacina ainda não tinha sido oferecida a todas as crianças britânicas de 12 a 15 anos até setembro. As crianças de 5 a 11 anos, com comorbidades, começaram a ser vacinadas somente a partir de janeiro deste ano.
Dados mais recentes do ONS (de 1° de janeiro de 2021 a 31 de março de 2022) mostram que não houve óbitos pela Covid-19 entre crianças vacinadas com menos de 21 dias após a segunda dose. Já entre as que não receberam o imunizante, foram registradas 164 mortes. Em análise publicada em março deste ano, o ONS informou que não há evidências de que a vacinação tenha acelerado o número de óbitos relacionados a doenças cardíacas ou a qualquer outra causa, em jovens de 12 a 29 anos.