Especialista em Relações Internacionais analisa os principais pontos que podem ser afetados com o conflito entre Rússia e Ucrânia
Karen Lemos
A invasão russa ao território da Ucrânia na madrugada desta quinta-feira, 24, gerou um clima de apreensão e medo não somente no leste Europeu, mas em todo o mundo.
Diante de muitas dúvidas que estão surgindo sobre os possíveis desdobramentos desse conflito, o Terra conversou com Vinicius Rodrigues Vieira, professor de Relações Internacionais da FAAP e da FGV, para responder algumas questões que começam a surgir após a escalada da crise.
Teremos uma 3ª guerra mundial?
Não me parece que estamos em um cenário de guerra mundial. Se olharmos a Primeira e a Segunda Guerra Mundial, o que caracterizou esses conflitos em escala mundial não foram batalhas em diversos países do mundo, mas o fato de haver confronto entre grandes potências mundiais. Por ora, temos um país com potencial nuclear, a Rússia, que invadiu um país menor aparentemente com o intuito de destituir o atual governo e controlar a Ucrânia, e não extingui-la como um Estado soberano. Isso é o que acontece hoje. Poderá se tornar um conflito mundial se outra potência, como os Estados Unidos, enviarem tropas. Há inúmeras possibilidades, mas não temos essa perspectiva em um curto prazo. Os Estados Unidos podem fazer ações encobertas, como envio de armamentos ou de treinamento militar, posicionar as tropas da Otan em fronteiras, como na Polônia. [O presidente russo Vladimir] Putin deixou claro que se alguém interferir militarmente haverá uma resposta “jamais vista na história”, então, se houver de fato uma presença militar ocidental na região de conflito, aí sim estaremos com portas abertas não somente para uma Terceira Guerra Mundial, mas também para um possível conflito nuclear.
No caso de uma Terceira Guerra Mundial, poderia existir esse risco já que a Rússia é a maior potência nuclear do mundo, com mais de 6 mil ogivas nucleares; é um arsenal maior até do que os Estados Unidos. Sem querer tomar lados no conflito, mas pensando no impacto em nossas vidas, o mundo tal qual existiu desde o fim da Segunda Guerra Mundial, com grande influência norte-americana com o capitalismo mais liberal, democracia e direitos humanos, esse mundo acabou. Desde os ataques terroristas de 11 de setembro e a própria tomada da Crimeia pela Rússia, além de rusgas com EUA e China, tudo isso é um sinal que esse mundo está se esfacelando e que a ordem estabelecida sob liderança norte-americana não existe mais. Nas Relações Internacionais, tem prevalecido a lei do mais forte. Isso é uma constatação. Putin demonstrou que pode invadir um país soberano sem grandes custos e teremos que aprender a conviver com esse mundo.
Vai afetar a economia?
Essa nova realidade traz mais volatilidade, possibilidades de conflitos e impactos na economia, principalmente no preço do petróleo, e demais produtos exportados por esses países. A Rússia, por exemplo, exporta muito gás natural, trigo e, por isso, alguns produtos básicos podem ser afetados. O Brasil durante a Segunda Guerra Mundial passou por uma escassez de alimentos. Em um mundo onde essas crises serão mais frequentes, o governo brasileiro precisa ser mais cauteloso para evitar que o Brasil sofra com esse tipo de consequência que será cada vez mais frequente.
Vai afetar o dólar?
O mecanismo por trás do dólar é complexo. A moeda perde valor quando tem uma crise interna ou uma crise que mostra que os Estados Unidos estão perdendo seu papel de potência hegemônica, como é o caso. Os Estados estão calados diante desse conflito, algo que 20 anos atrás eles jamais aceitariam uma invasão tão próxima de países aliados. O mercado faz uma leitura de longo prazo, não de imediato, de que o dólar pode deixar de ser uma moeda de referência internacional. Nesse cenário, o dólar se desvaloriza. A Rússia vem tentando, em um período de 10 anos, se livrar do dólar e negociar com a sua moeda, o rublo, e tem negociado dessa forma com a China, por exemplo. Se essas duas potências estão procurando se livrar do dólar, há uma desvalorização enorme da moeda norte-americana diante de um cenário que pode significar o fim do ciclo da hegemonia do dólar. Isso aconteceu com a libra [moeda inglesa] no pós-guerra. Com essa perspectiva do declínio do Reino Unido depois das guerras, o mercado faz essa analise – com esse conhecimento histórico – e traduz para os consumidores com o dólar desvalorizado em escala mundial.
Não somos nós que estamos sendo atacados e uma coisa que pode fazer com que o governo reveja a política de preços da Petrobras são as eleições deste ano. O preço da gasolina está tão alto que, se aumentar mais, o governo afasta de vez suas chances de se reeleger. Mesmo com o barril do petróleo chegando a quase US$ 100, seria lógico pelo ponto de vista do interesse à reeleição, uma mudança nessa abordagem da Petrobras. Estamos muito longe de uma escassez [de combustível] mesmo que a crise eleve o preço. Armazenar combustível, portanto, seria um exagero nesse estágio atual. Agora, se houver um conflito direto com os Estados Unidos e um cenário de guerra mundial, aí devemos estocar não somente o combustível como muitas outras coisas e também aprender a viver de uma forma diferente da estabelecida até então.