Ainda que improvável, uma escalada global do conflito não é impossível na avaliação de especialista em Relações Internacionais
Karen Lemos
A invasão da Rússia em território ucraniano, inclusive na capital Kiev, acendeu temores de uma guerra mundial que poderia afetar também a América Latina. Para entender quais seriam as dimensões desse conflito, e se isso atingiria o País, o Terra conversou com Bernardo Wahl G. de Araújo Jorge, professor de Relações Internacionais da FESPSP e FMU. Para o especialista, a possibilidade de uma guerra mundial existe, mas ainda é improvável. Ele também analisou os impactos imediatos para o Brasil.
“Do ponto de vista geográfico, o Brasil está afastado do conflito, mas as relações internacionais são interconectadas. O que acontece em um lugar afastado reverbera no Brasil também, até porque esse é um conflito potencializado pela comunicação, pela imprensa e pelas redes sociais. Isso acaba se tornando não apenas uma guerra ou uma crise, mas um fenômeno social. Todo mundo quer saber o que está acontecendo”, explica.
Jorge também destacou a recente visita do presidente Jair Bolsonaro à Rússia. Na ocasião, o chefe do Executivo chegou a se encontrar com o presidente russo, Vladimir Putin, e declarou ser “solidário” ao país. “Certamente essa viagem é controversa, até porque foi desaconselhada inclusive pelos Estados Unidos”, lembra o especialista.
“Mas há outra linha de ação que representa os tradicionais valores do Itamaraty e da diplomacia brasileira. O Brasil, que ocupa um assento no Conselho de Segurança da ONU, em mandato iniciado neste ano, está seguindo uma postura tradicional, não está condenando a Rússia, mas segue uma linha meio termo, bem diplomática, embora essa não tenha sido a postura de Bolsonaro durante a viagem”.
Um exemplo da linha mais diplomática adotada pelo Itamaraty é o discurso do embaixador brasileiro na ONU, Ronaldo Costa Filho, que pediu a desmobilização de tropas na fronteira ucraniana. “O desafio atual do Itamaraty é não ser o Itamaraty do Ernesto Araújo (ex-chanceler brasileiro que adotou um discurso ideológico quando ocupou o cargo). Carlos França (atual chanceler) precisa fazer esse jogo de conciliar a retomada de um Itamaraty mais pragmático, que resgata sua tradição diplomática, ao mesmo tempo em que acomoda a linha de ação do Bolsonaro.”
Economia
O professor de Relações Internacionais também comentou outro impacto que o Brasil pode sentir por causa do conflito. Embora distante, a crise pode – e deve – atingir em cheio o bolso do brasileiro. “O risco geopolítico, que se eleva muito com a invasão russa afeta os mercados considerando que a Rússia é um país exportador de gás natural e hidrocarboneto. Já a Ucrânia é um dos principais exportadores de trigo do mundo. Tudo isso impacta a inflação no Brasil e o dólar – que já está em queda – pode ser afetado mais ainda, o que mexe com os preços dos combustíveis e altera até mesmo o custo do pãozinho da padaria”, detalha.
“Além disso, países do Ocidente estão impondo sanções econômicas à Rússia. A Alemanha suspendeu o certificado de um gasoduto russo que forneceria gás natural à Europa, o que também impacta o mercado de energia”, acrescenta. “E do ponto de vista da economia brasileira, Bolsonaro tem o apoio da Rússia, mas ao mesmo tempo ele manchou a imagem do País com a Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte ) e os Estados Unidos.
Uma nova guerra mundial?
O cenário atual ainda é difícil de ler para responder a pergunta que o mundo inteiro quer saber. Estamos prestes a entrar em uma nova guerra mundial? Para o especialista em Relações Internacionais, a possibilidade sempre existe diante de um conflito como esse, mas por enquanto, ainda se trata de um panorama "improvável".
“Até pouco tempo eu achava o cenário de uma guerra mundial exagerado. Mas, como Putin surpreende a cada dia, eu não tiro esse cenário da mesa, ou seja, a possibilidade deste conflito se espalhar não pode ser descartada. Mas, se de fato irá mesmo correr, eu ainda acho difícil”, pontua.
A Rússia, vale lembrar, é uma potência nuclear, com uma quantidade de ogivas nucleares superior até a dos Estados Unidos. Além disso, a Ucrânia – foco de interesse de Putin – não é membro da Otan. “A Otan moveu suas tropas para fronteiras próximas para proteger seus países membros. Como a Ucrânia não faz parte da Otan, a organização não vai entrar na guerra dessa forma”, diz Bernardo.
“E vamos lembrar que o teatro de operações da Rússia é a Ucrânia. A Rússia não vai ‘dar de louca’ e sair atacando outros países. Nesse sentido, eu não vejo o conflito transbordando dessa forma. Mas, não sabemos se alguma outra coisa pode aparecer que leve a uma situação extrema. Não tiro do rol de possibilidades. É improvável, mas não é impossível”, concluiu.