À medida que o programa nuclear do Irã avança, alguns acreditam Israel está ficando sem opções para contê-lo.
Yolande Knell - BBC News, Jerusalém
Nas águas turquesa do Mar Vermelho, as forças navais de Israel, Emirados e Bahrein simularam pela primeira vez, há poucos dias, operações de segurança conjuntas com um navio de guerra dos Estados Unidos.
Isso aconteceu depois de um exercício de guerra em uma base aérea no deserto ao norte da cidade portuária israelense de Eilat, no mês passado, no qual aviões de combate de Israel e outros sete países cortaram os céus.
Estas simulações têm como objetivo enviar um forte aviso ao Irã, que recentemente vem realizando seus próprios exercícios militares de grande porte, e enfatizar alianças estratégicas.
Mas acontecem em um momento em que muitos em Israel estão preocupados que este pequeno país possa se sentir forçado em breve a agir sozinho para atacar militarmente o programa nuclear do Irã.
O governo destinou US$ 1,5 bilhão para preparar as forças armadas israelenses para um possível ataque contra instalações nucleares iranianas, e há alertas quase diários de líderes políticos e militares.
A BBC ouviu a opinião dos principais observadores e analistas do Irã sobre o que pode acontecer.
"Israel não tem interesse em uma guerra com o Irã, mas não permitiremos que o Irã adquira armas nucleares", afirmou uma autoridade de segurança israelense.
"À luz do avanço do programa nuclear iraniano, estamos nos preparando para todas as opções e cenários, incluindo capacidade militar."
A ameaça de uso da força militar acontece em meio às negociações entre o Irã e cinco potências mundiais (mais os EUA indiretamente) para reativação do acordo nuclear de 2015 — conhecido como Plano de Ação Global Conjunta (JCPOA, na sigla em inglês) — previstas para serem retomadas na capital austríaca, Viena, em 29 de novembro.
O JCPOA limitou as atividades nucleares do Irã e abriu suas instalações para aumentar as inspeções em troca do levantamento parcial das sanções internacionais. No entanto, foi abandonado pelo então presidente dos EUA, Donald Trump, em 2018, com a aprovação de Israel.
Assim que foi fixada a data para uma nova rodada de negociações, o Irã declarou ter produzido 25 kg de urânio enriquecido a 60% (grau de pureza) — logo abaixo do nível que seria necessário para uma bomba nuclear — e mais de 210 kg enriquecido a 20%.
Embora Teerã continue insistindo que suas intenções são pacíficas, até mesmo especialistas iranianos destacaram que tais quantidades de urânio altamente enriquecido eram anteriormente mantidas apenas por Estados com armas nucleares.
"Os iranianos estão hoje mais perto de criar material físsil para armas nucleares do que no passado", disse o oficial de segurança israelense.
"Este fato tem implicações de segurança significativas para o Estado de Israel."
O órgão de defesa israelense estima que, se o Irã decidir fazer isso, poderá acumular urânio enriquecido suficiente para uma arma nuclear dentro de um mês.
O básico sobre a crise nuclear do Irã
- As potências mundiais não confiam no Irã: alguns países acreditam que o Irã quer energia nuclear porque pretende construir uma bomba nuclear — ele nega.
- Então, um acordo foi fechado: em 2015, o Irã e outros seis países chegaram a um grande acordo. O Irã interromperia algumas atividades nucleares em troca do fim de duras penalidades, ou sanções, que prejudicam sua economia.
- Qual é o problema agora? O Irã reiniciou a atividade nuclear que havia sido proibida depois que o ex-presidente dos EUA, Donald Trump, desistiu do acordo e voltou a impor sanções ao país. Embora o atual presidente americano, Joe Biden, queira retomar o acordo, ambos os lados dizem que o outro deve dar o primeiro passo.
A fabricação de tal arma também exigiria a construção de uma ogiva que poderia ser montada em um míssil balístico. O prazo para isso é mais difícil de calcular, mas alguns especialistas dizem que pode levar de 18 a 24 meses.
Israel, que supostamente possui suas próprias armas nucleares, mas mantém uma política oficial de ambiguidade deliberada, vê o Irã nuclear como uma ameaça existencial; o Irã não reconhece o estado de Israel e suas autoridades muitas vezes defendem a crença de que acabará por deixar de existir.
Embora os Estados Unidos e os países do Golfo Pérsico, com os quais Israel possui laços cada vez maiores, também se oponham profundamente ao fato de o Irã ter armas nucleares, não está claro até que ponto seus próprios interesses os impediriam de ajudar em qualquer confronto militar.
O tempo está passando
O ex-conselheiro de Segurança Nacional israelense Yaakov Amidror, que agora é membro sênior do Instituto de Estratégia e Segurança de Jerusalém, alertou pela primeira vez sobre os perigos das ambições nucleares do Irã no início dos anos 1990, quando trabalhava na inteligência militar.
Ele tem uma avaliação sombria dos últimos acontecimentos.
"Israel não pode viver com uma situação em que os iranianos estão cada vez mais perto da bomba, e logo terá que tomar uma decisão sobre como detê-la", diz ele.
"Não vejo outra maneira a não ser bombardear, porque não vejo os iranianos voltando atrás em seu sonho de ter um guarda-chuva nuclear sob o qual possam ser ainda mais agressivos do que são hoje."
Israel agiu sozinho duas vezes para destruir os reatores nucleares de seus inimigos — no Iraque, em 1981, e na Síria, em 2007 — com pouca retaliação.
Mas muitos analistas questionam se o país é capaz de montar efetivamente uma operação complexa para impedir o programa nuclear muito mais avançado do Irã, que envolve vários locais com algumas instalações subterrâneas, e que preço teria que pagar.
"Todos em Israel entendem que [um ataque] pode levar a uma guerra muito complicada", admite Amidror.
O Irã prometeu "uma resposta chocante" a qualquer ataque do tipo. Supõe-se que o país usaria suas próprias forças, coordenadas com as de seus aliados bem armados espalhados pela região: o Hezbollah, no Líbano, que tem dezenas de milhares de foguetes; as milícias xiitas na Síria e no Iraque; o movimento rebelde Houthi no Iêmen; e militantes jihadistas islâmicos na Faixa de Gaza.
Apesar dos graves riscos, alguns defensores de uma política mais agressiva em Israel calculam que um ataque pode valer a pena, mesmo que apenas atrase os planos nucleares iranianos em alguns anos.
Mas a preferência oficial ainda é a promoção de soluções pacíficas e negociadas.
"Espero que o canal diplomático tenha sucesso", declarou Sima Shine, ex-chefe de pesquisa da agência de inteligência Mossad, "mas não acho que tenha grande chance agora".
O governo do presidente americano, Joe Biden, propôs ao Irã um retorno direto à "conformidade mútua" com o JCPOA, mas o governo de Israel se opõe a isso.
O acordo suspende muitas restrições ao programa nuclear do Irã já em 2025 e não impõe limites ao desenvolvimento de mísseis balísticos do Irã ou restringe seu apoio a grupos militantes da região.
"Minha avaliação da posição do Irã é que, na verdade, ele não quer retomar", afirma Shine, que agora chefia o programa do Irã no Instituto para Estudos de Segurança Nacional de Israel.
"O que eles gostariam de ver, é claro, é uma redução das sanções, e eles entendem que têm que pagar algo para obter isso. A questão é qual é o cálculo do Irã — quão profundamente sua economia precisa de alívio?"
O medo dela é que as negociações nucleares possam ser apenas uma forma de ganhar tempo, à medida que o país permite que suas centrífugas cada vez mais avançadas continuem girando, acumulando estoque de urânio enriquecido.
Atividades secretas
Outro veterano especialista em Irã, Alex Vatanka, do Instituto do Oriente Médio em Washington, enfatiza o profundo compromisso ideológico de Teerã com seu programa nuclear.
Mas apesar de sua desconfiança em relação aos europeus e aos EUA, ele acredita que o Irã deseja voltar ao JCPOA para aliviar as pressões econômicas internas; ele vê suas ações e demandas recentes como um "fortalecimento de seu controle".
Vatanka teoriza que o Irã não quer necessariamente armas nucleares.
"É uma opção que eles gostariam de ter, claramente, mas não se trata de armamentos", avalia ele, sugerindo que o Irã poderia permanecer no limiar nuclear.
"É sobre o Irã ser um estado nuclear crucial e deixar claro para os americanos que a mudança de regime não vai acontecer."
As ameaças de Israel de um ataque não o convencem. Ele sugere que seus esforços clandestinos poderiam ser mais eficazes em conter o avanço nuclear do Irã.
"Eles provaram que são capazes de fazer isso", comenta Vatanka. "O Irã está claramente totalmente infiltrado em alto nível. Definitivamente, há um fluxo de informações que eles possuem."
Uma década atrás, houve relatos de um ataque coordenado dos EUA-Israel envolvendo o uso do vírus de computador Stuxnet para interromper o programa nuclear iraniano.
Mais recentemente, o Irã culpou Israel pelo dramático assassinato de seu principal cientista nuclear, Mohsen Fakhrizadeh, que foi morto a tiros perto de Teerã com uma metralhadora assistida por inteligência artificial e controlada remotamente, e explosões que danificaram suas instalações nucleares.
Como parte do que chama de "guerra entre as guerras", Israel também realizou centenas de ataques militares para reduzir o entrincheiramento iraniano na vizinha Síria e o envio de munições guiadas de precisão para o Hezbollah.
Proliferação do medo
Embora haja muitas divergências entre os especialistas sobre o que acontecerá a seguir, há um consenso de que as próximas negociações sobre os planos nucleares do Irã acontecerão em um momento crítico e que os riscos para esta região volátil não poderiam ser maiores.
Se o Irã desenvolver seu próprio arsenal nuclear, outras potências — Arábia Saudita, Turquia e Egito — provavelmente farão o mesmo.
Washington disse que quer acabar com as "guerras eternas" no Oriente Médio. Mas também avisou que buscará "outras opções" no que diz respeito ao Irã, e tem sido visto exercitando sua força militar.
Em um movimento simbólico, no final do recente exercício aéreo israelense, um avião de guerra dos EUA capaz de transportar uma bomba que poderia ser usada para atingir instalações nucleares subterrâneas foi escoltado pelo espaço aéreo israelense por dois caças israelenses.
O paradoxo — como os estrategistas fazem questão de deixar claro — é que os preparativos sérios para uma ação militar contra o Irã podem ser a melhor maneira de impedir que isso aconteça.