Estudo sobre a saúde no município foi feito depois do rompimento de barragem da Vale; empresa diz monitorar situação nas comunidades
Às vésperas da marca de três anos e meio do rompimento da barragem da Vale em Brumadinho (MG), um estudo feito pela Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz) e pela UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) mostra que a população do município tem níveis de metais no organismo acima dos toleráveis e sofre com doenças respiratórias e mentais.
A barragem de Córrego do Feijão, da mineradora, se rompeu em 25 de janeiro de 2019, matando 270 pessoas. Quatro ainda não foram localizadas pelo Corpo de Bombeiros, que mantém as buscas na área atingida pelo rejeito de minério de ferro que desceu da represa. A última identificação de vítimas ocorreu há um mês, em 7 de junho.
O estudo da Fiocruz e UFRJ analisou exames de sangue e urina de moradores de todas as faixas etárias e regiões do município. Ao todo, 3.297 pessoas tiveram amostras observadas, das quais 217 são crianças, 275 são adolescentes entre 12 e 17 anos e 2.805 são adultos com mais de 18 anos. O levantamento teve início em julho do ano passado.
Entre os adolescentes, 52,3% têm níveis altos de manganês no sangue. Outros 12,2% foram diagnosticados com elevação de chumbo. Houve apontamento também de mais arsênio do que o recomendado na urina de 28,9% dos adolescentes.
Em excesso, os três metais podem provocar graves danos à saúde. O manganês está relacionado ao mal de Parkinson e doença de Alzheimer. O chumbo provoca anorexia e distúrbios mentais. Já o arsênio pode causar câncer e doenças de pele.
Nos adultos, 33,7% têm alta de arsênio e 37% de manganês. Em relação às crianças, os resultados mostraram que, em um total de 172 amostras consideradas válidas, em todas foi detectada a presença de pelo menos um dos metais.
O estudo indicou problemas também com a respiração da população da cidade. Entre os adolescentes, quando perguntados se receberam diagnóstico médico de doenças crônicas, 12,3% afirmaram que sim para asma ou bronquite asmática.
O percentual, no entanto, sobe em relação a adolescentes moradores das duas comunidades diretamente atingidas pela lama. Parque da Cachoeira, onde 23,8% foram diagnosticados com uma das duas doenças, e Córrego do Feijão, com 17,1% dos adolescentes sofrendo com um dos dois males.
“Os resultados sobre o diagnóstico médico de doenças crônicas, bem como sobre sinais e sintomas, demonstram uma elevada carga dessas condições para a população de Brumadinho, podendo refletir na procura por serviços de saúde”, afirma o pesquisador da Fiocruz Minas, Sérgio Peixoto, coordenador-geral da pesquisa.
Sobre a saúde mental dos moradores do município, 22,5% dos adultos pesquisados responderam ter recebido diagnóstico de depressão, mais que o dobro dos 10,2% da população brasileira, conforme a PNS (Pesquisa Nacional de Saúde) de 2019, conforme dado citado pela Fiocruz.
O diagnóstico de ansiedade ou problemas do sono foi reportado por 33,4% dos entrevistados com mais de 18 anos. Entre os adolescentes, 10,4% relataram diagnóstico de depressão e 20,1% de ansiedade.
O estudo da Fiocruz com a UFRJ foi o primeiro de uma série que prevê a divulgação de novos levantamentos ainda este ano e em 2023 e 2024.
Procurada pela reportagem, a Vale afirmou que não teve acesso ao estudo e que vai analisar os dados assim que isso ocorrer. A mineradora diz ainda que não há registro nas comunidades locais de casos de intoxicação por metais pesados por conta do rompimento da barragem.
“É igualmente importante destacar que o rejeito de minério de ferro é formado em sua maioria por minerais ferrosos e quartzo, sendo classificado como não tóxico e consequentemente não perigoso, conforme NBR [norma brasileira] 10.004, da Associação Brasileira de Normas Técnicas”, afirma a Vale, em nota.
A empresa afirmou também que monitora níveis de material particulado em suspensão nas comunidades impactadas de Brumadinho e que, até o momento, os resultados dos acompanhamentos apresentam níveis adequados à saúde da população.