Rafael Castro, de 42 anos, viu a casa da família ser destruída há mais de dez anos durante um temporal. Na semana passada, estava no ônibus afetado pela enchente e não sobreviveu. 'Ele era um guerreiro', diz irmão
Rafael Xavier Castro, de 42 anos, foi uma das vítimas do temporal que atingiu Petrópolis, na Região Serrana do Rio, na terça-feira, 15. Ele estava em um dos ônibus arrastados após a enchente do Rio Quitandinha. O homem, que a família define como guerreiro, já havia superado traumas do passado, como a perda da casa nas chuvas de 2011 na cidade, mas dessa vez não conseguiu escapar dos efeitos da cheia repentina.
"Ele era um guerreiro, não tinha uma perna e penso que isso impediu que ele se salvasse. Como estava de jeans e usava perna mecânica, as pessoas não perceberam essa limitação", disse o vendedor Filipe Xavier Castro, seu único irmão. Rafael trabalhava no hipermercado Assaí e, naquele dia, saiu por volta das 15 horas e foi ao centro da cidade, onde tomaria o ônibus para seguir para casa no bairro Quitandinha.
Com 9 anos de idade, Rafael foi atropelado, sofreu um traumatismo craniano severo, ficou dois meses em coma, quase dois anos sem andar, mas se recuperou. Com 24 anos, se envolveu em um acidente automobilístico e perdeu a perna esquerda, mas também se recuperou. Passou a usar prótese e levava uma vida normal. Em 2011, quando as chuvas assolaram a região de Petrópolis, no Rio de Janeiro, a casa de Rafael foi destruída, a família perdeu tudo, mas ele e os familiares sobreviveram.
Filipe lembra que, na tragédia de 2011, a família estava em casa, um sobrado no bairro Benfica, quando desceu uma torrente de água e lama. "Estávamos eu, ele, minha mãe e minha filha, Maria Luísa. A lama tomou todo o andar de baixo e atingiu 30 centímetros no andar de cima. Perdemos tudo, mas conseguimos sair ilesos." A casa, avariada, foi condenada pela Defesa Civil. A família passou a receber o aluguel social até conseguir refazer a vida. Rafael se casou e foi morar no bairro Quitandinha, mais próximo do trabalho dele e da esposa.
Na semana passada, a família reviveu o drama, dessa vez com um fim trágico. "A região estava toda alagada, acredito que ele achou que estaria mais seguro dentro do ônibus. Por volta das 5h30 (da tarde), ele mandou mensagem para a esposa, Adriana, contando que o rio estava pondo água para fora. Ele estava acostumado, pois o trecho sempre alaga. Só que desta vez foi pior e foi muito rápido. As pessoas que conseguiram sair, disseram que ele estava muito tranquilo, ajudando no salvamento de outras pessoas. Jogaram a corda e muitos saíram por ela, mas, na minha cabeça, imagino que ele nem tentou sair pela corda, pois sem a perna seria difícil. Ele era uma pessoa reservada, não falou da deficiência física, não pediu ajuda", imagina o irmão.
Na quarta-feira, 16, Filipe saiu de casa à procura do irmão. Foi informado de que havia corpos no Instituto Médico Legal (IML) e foi para lá. "Cheguei meio-dia e saí de lá quase meia-noite, mas com o corpo do meu irmão. Pelo menos, conseguimos dar um velório digno para ele. Ontem (sexta-feira, 18), nossa família se reuniu. Meu pai tem 67 anos e está arrasado. Minha mãe está mais forte, mas refizemos, em nossas lembranças, a vida dele de luta, de superação. Ele venceu, conseguiu realizar muitos dos sonhos que tinha. Foi um guerreiro."
Jornalista busca irmã e sobrinha
Quando Petrópolis foi atingida pelas chuvas em janeiro de 2011, na maior tragédia já registrada na região serrana do Rio - foram 918 mortos e 100 desaparecidos -, o jornalista Tharllen Felipe cobriu o drama das famílias flageladas e acompanhou o resgate dos corpos sob os escombros de casas e barreiras.
Na manhã deste sábado, 19, Tharllen estava de novo no foco de mais uma tragédia. Desta vez, do outro lado: era ele quem os jornalistas procuravam para relatar suas perdas. Desde a terça-feira, Tharllen procura os corpos da irmã Suellen Rosa Felipe dos Santos Gonçalves, de 39 anos, grávida de três meses, e da sobrinha Nataly Vitória Felipe, de 12 anos.
O jornalista, que mantém programa noticioso em rádio local e colabora com veículos de imprensa da região, conta que as duas estavam em casa, no Morro da Oficina, quando tudo deslizou. "Desceu a encosta toda, passou por cima da casa, levou tudo. Foi tão brutal que nem os móveis e os pertences da casa foram encontrados. As duas estavam sozinhas lá. Minha irmã, grávida de três meses, estava cheia de sonhos."
Na sexta, ele foi informado de que quatro rabecões tinham chegado com corpos ao IML. Nenhum era de seus familiares. Ele também foi a um hospital, após receber informação de que a irmã poderia estar lá. Não estava.
Tharllen conversou com a reportagem por telefone, uma conversa interrompida pelo choro. "Como repórter, acompanhei várias tragédias, mas sempre do outro lado. Nunca imaginei que iria viver essa situação." Na manhã deste sábado, ele voltou para o local do deslizamento. "Está difícil, ainda está um caos aqui. Ainda não acharam nada."