Governo federal tem até 15 dias para detalhar política pública que inclui a autotestagem.
Leandro Prazeres -
A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) decidiu nesta quarta-feira (19/01) pedir mais informações ao Ministério da Saúde sobre de que forma o governo pretende incluir os autotestes de covid-19 na política pública de testagem contra a doença.
A decisão da diretoria do órgão foi tomada por quatro votos a um. Todos os diretores, no entanto, criticaram a suposta falta de clareza do ministério sobre o assunto. A Anvisa deu 15 dias para que a pasta apresente mais informações.
Procurado, o Ministério da Saúde informou que não havia sido informado oficialmente sobre o pedido de informações e que irá se manifestar no prazo dado pela agência.
Apesar de liberados em diversos países, no Brasil os autotestes precisam do aval da Anvisa para que possam ser vendidos ou distribuídos. Nesta quarta-feira, a diretoria do órgão se reuniu para decidir sobre pedidos de liberação do produto.
Desde 2015, uma resolução da agência proíbe a distribuição de autotestes para doenças cuja notificação é compulsória como é o caso da covid-19. A norma, no entanto, prevê exceções como os autotestes para detecção do HIV.
A Anvisa diz, porém, que essa exceção só pode ocorrer se eles fizerem parte de uma política pública ampla de combate ou controle da doença.
No dia 6 de janeiro, a Anvisa emitiu uma nota técnica sobre o assunto alertando que a liberação dos autotestes deveria vir acompanhada de uma política pública formal sobre o tema.
Na semana passada, o Ministério da Saúde enviou uma nota técnica informando que os autotestes, caso liberados, fariam parte de uma política de saúde pública consolidada pela pasta e que poderiam ser usados de forma "complementar" dentro da estratégia de triagem de doentes.
Nesta quarta-feira, os diretores da Anvisa criticaram a falta de informações do ministério sobre o assunto e afirmaram que a nota técnica enviada pelo órgão não especifica de que maneira os autotestes farão parte da política de testagem do país.
O diretor-presidente da agência, Antonio Barra Torres, disse que o documento enviado pelo ministério não foi suficiente para sanar as dúvidas levantadas pela área técnica do órgão.
Segundo o diretor, o ministério poderia enviar uma política pública inteiramente nova sobre autotestagem ou aditar a que já existe desde setembro de 2021. Barra Torres afirmou que o ministério não fez nenhuma das duas coisas.
"Não foi possível estabelecer no documento recebido na sexta-feira a inequívoca marca de aditamento específico à política pública de testagem promulgada em setembro", afirmou.
A diretora e relatora do processo, Cristiane Jourdan, chegou a defender em seu voto que os autotestes fossem liberados de forma excepcional apesar da alegada ausência de uma política pública do governo sobre o assunto, mas os outros quatro diretores votaram para que a Anvisa pedisse mais informações ao Ministério da Saúde.
Para o diretor Alex Campos Machado, a nota técnica enviada pelo ministério da saúde tem "lacunas" que podem provocar dúvidas junto à sociedade.
"Há lacunas importantes. A nota técnica que chegou ao conhecimento da Anvisa prescinde de esclarecimentos fundamentais e pode projetar um resultado que pode ser mal compreendido pela população brasileira, pela opinião pública e pela imprensa", disse.
"Uma aprovação nestes moldes pura e tão somente forneceria a possibilidade de acesso a um instrumento de triagem diagnóstica, que necessariamente precisa vir a reboque de uma política pública, no sentido de sanar uma série de questões até o momento não totalmente contempladas pela análise que fizemos", disse Barra Torres.
Uma das principais dúvidas da área técnica da Anvisa é quanto à forma como os resultados obtidos com os autotestes seriam incorporados ao sistema nacional de notificação e doenças compulsórias.
Atualmente, as notificações de casos de covid-19 são repassadas ao governo pelas unidades públicas e privadas de saúde e pelas farmácias e drogarias que realizam testes semelhantes.
Em nota técnica enviada à Anvisa pelo Ministério da Saúde na semana passada, o órgão sugere que o usuário que obtiver um resultado positivo deve confirmar o resultado indo a uma unidade de saúde ou por meio de teleconsulta.
O governo afirma que os autotestes fariam, sim, parte de uma "política de saúde pública" e que eles deverão ser usados de forma complementar como "estratégia de triagem" e possibilitar o isolamento de doentes.
"A triagem permite a identificação precoce e o isolamento de pessoas infectadas com o vírus Sars-CoV-2 que estão assintomáticas, pré-sintomáticas ou com apenas sintomas leves e que podem estar transmitindo o vírus sem saber", diz o pedido feito pelo Ministério da Saúde.
Ainda de acordo com a pasta, a liberação dos autotestes deverá aliviar a pressão sobre os sistemas de saúde que "já estão muito além do limite de sua capacidade de atendimento".
Atualmente, a testagem de covid-19 ocorre em unidades de saúde pública ou privada, e em farmácias e drogarias.
Em nota oficial enviada à reportagem, o Ministério da Saúde disse que atenderá o prazo dado pela Anvisa para se manifestar sobre o assunto.
"O Ministério da Saúde não foi comunicado oficialmente do pedido de informações da Anvisa. A pasta irá se manifestar no prazo proposto pela agência", diz a nota.
Autotestes são realidade no exterior
Os autotestes de covid-19 já estão em circulação em diversos países do mundo como os Estados Unidos e algumas nações europeias.
Normalmente, eles vêm sendo distribuídos pelas autoridades ou podem ser comprados em estabelecimentos privados.
Os testes normalmente vêm com um kit contendo um cotonete alongado (conhecido como swab) e uma pequena caixa onde é feita a reação química que informa se o paciente está infectado ou não pela covid-19.
Os kits são feitos para que os próprios usuários fiquem responsáveis pela coleta e processamento da amostra e interpretação do resultado em um processo semelhante aos testes de gravidez encontrados em farmácias.
Os autotestes são diferentes dos exames que já estão disponíveis em algumas drogarias no Brasil. Enquanto os exames atualmente vendidos para os brasileiros são coletados e interpretados nas farmácias, os autotestes são feitos e interpretados pelo próprio usuário, que coleta sua própria amostra e segue as instruções do fabricante.
Os autotestes podem ser comprados com antecedência e mantidos em casa para usar quando necessário, por exemplo.
A indefinição no Brasil sobre os autotestes ocorre em meio ao aumento no número de casos e internações causados pelo novo coronavírus e ao surgimento da variante ômicron que, segundo os cientistas, tem altas taxas de transmissibilidade.