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Queima da Amazônia cria nova ameaça ao Brasil

Publicada em 04/01/22 às 17:48h - 125 visualizações

por TV Jundiai Hoje


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 (Foto: TV Jundiai Hoje)
Marcelo Godoy

O desmatamento em 2021 na Amazônia, recorde dos últimos dez anos, e o enfraquecimento de agências como o ICMBio e o Ibama no governo de Jair Bolsonaro submetem o Brasil a um novo risco de ser alvo de medidas que afetem seu comércio exterior. Isso por causa da construção em fóruns internacionais da ideia de que o País falha em sua responsabilidade de proteger o meio ambiente.

Analistas civis e militares ouvidos pelo Estadão reconhecem a tendência que pode atingir em cheio o Brasil: a chamada securitização das mudanças climáticas quer o deslocamento do tema dos fóruns ambientais e econômicos para aqueles que tratam da segurança e defesa das populações e da manutenção da paz entre as nações.

A retórica, que no passado consolidou a guerra ao terror, pode levar à criação de um eixo do mal ambiental. Em breve, ela poderia ser usada contra grupos ou países apontados como responsáveis pelos danos causados por eventos extremos, como secas, inundações e ciclones, que afetem as grandes potências. As mudanças climáticas vão ocupar na primeira metade do século um papel central na diplomacia mundial. E o Brasil, com a Amazônia e o pré-sal, está no olho do furacão.

Exemplo de como a securitização do meio ambiente aumenta ano a ano é o documento Nato 2030 - United for a New Era, publicado pela Otan em 2020. O coronel do Exército e especialista em geopolítica Paulo Roberto da Silva Gomes Filho contou nele 19 vezes a expressão "mudança climática". "Ela é apresentada como um dos 'desafios definidores' dos tempos atuais, representando sérias implicações à segurança e aos interesses econômicos dos 30 países que integram a aliança."

Gestão Biden

Nos Estados Unidos, a gestão Joe Biden classificou as mudanças climáticas como questão de segurança nacional, levando o país a apoiar a sua securitização no Conselho de Segurança das Nações Unidas (ONU). A proposta de que o clima passasse a ser tratado no órgão contou com o apoio do primeiro-ministro britânico, Boris Johnson. Um projeto de resolução apresentado pela Irlanda e pelo Níger foi debatido. Ele previa a designação de um relator especial sobre o tema e a produção de relatórios.

A resolução abriria espaço para que, no futuro, o combate às mudanças climáticas pudesse servir de base a sanções e até para ações militares baseadas no princípio de responsabilidade de proteger, o chamado R2P, que fundamentou a intervenção na Líbia, em 2011. Mas, em 13 de dezembro, a resolução foi rejeitada em razão do veto da Rússia - houve ainda o voto contrário da Índia e a abstenção da China e 12 manifestações favoráveis, entre as quais a dos EUA, Reino Unido e França.

Nos debates, o secretário de Estado americano, Antony Blinken, enfatizou que o apoio à resolução não significava abandono da cooperação internacional. "Devemos parar de debater se o caso das mudanças climáticas é ou não um tema para o Conselho de Segurança. Em vez disso, devemos perguntar como o conselho pode usar seu poderes exclusivos para enfrentar os impactos negativos do clima sobre a paz e a segurança."

A securitização está de acordo com o conceito de dissuasão integrada, defendido pelo secretário de Defesa, Lloyd Austin. Além de integração multidomínio nos campos de batalha - terra, mar, ar, espacial e cibernético -, ele quer o mesmo nas alianças e parcerias com países. "É lógico que o Brasil, o maior país da América do Sul, seja cortejado pelos EUA, pois eles estão em disputa hegemônica com a China", disse o coronel.
 
Mas essa situação pode mudar, caso o Brasil seja percebido como uma ameaça. No conselho, os EUA enfrentaram a oposição da China. O embaixador Zhang Jun afirmou: "Os princípios da responsabilidade comum, mas diferenciada, respectiva capacidade e equidade são os pilares da governança climática global. Não seria apropriado o Conselho de Segurança como fórum para substituir a tomada de decisão coletiva pela comunidade internacional."

Para o coronel Paulo Filho, em um mundo em que a hegemonia é disputada, ações da ONU serão cada vez mais difíceis. Ele contou que o texto da Estratégia Nacional de Segurança russa já anunciava o veto ao dizer: "A crescente atenção da comunidade internacional às mudanças climáticas e à manutenção do meio ambiente é usada como pretexto para limitar o acesso de empresas russas ao mercado exportador, restringir o desenvolvimento da indústria russa, estabelecer o controle sobre rotas de transporte e impedir o desenvolvimento da Rússia no Ártico".

Cenário

A discussão na ONU pode afetar o Brasil. Já em 2019, o blog do Exército publicou artigo do coronel Raul Kleber de Souza Boeno no qual alertava que "uma eventual securitização da questão climática teria implicações para a soberania brasileira, com significativas consequências para suas Forças Armadas". Foi atrás de como isso pode acontecer que o pesquisador do Instituto de Estudos Avançados da USP Gustavo Macedo produziu cenários em que o conceito de responsabilidade de proteger seria usado contra o Brasil. Dentre eles, estão os crimes contra povos indígenas e o meio ambiente.

Em 2018, Macedo foi o redator do documento Making Atrocity Prevention Effective (Tornar Eficaz a Prevenção de Atrocidades), quando trabalhava como assistente de Ivan Simonovic, o diretor do Departamento de Prevenção a Genocídio e Responsabilidade de Proteger, da ONU. Ele acredita que a ação de Bolsonaro diante de crimes ambientais e humanitários "tornou urgente falar sobre o tema no Brasil". "Pessoas de fora, como o Stephen Walt, (professor) de Harvard, já trataram da possibilidade de se aplicar ao Brasil o R2P, por causa da Amazônia."

Walt publicou em 2019 um artigo na revista Foreign Policy no qual perguntava se os países têm o direito ou a obrigação de intervir em outro país para impedi-lo de causar dano irreversível e catastrófico ao meio ambiente. Depois, o presidente francês, Emmanuel Macron, defendeu a ideia de um "status internacional à Amazônia".

"É preciso alertar o público brasileiro", disse Macedo. Para ele, essa linguagem diplomática pode ser mobilizada contra o Brasil. "A intervenção não necessariamente é militar; ela pode ser política e econômica. Na história da aplicação do conceito de responsabilidade de proteger, na imensa maioria das vezes, ele foi usado para ação política e econômica, não militar."

Vulnerabilidade

Para o professor de Relações Internacionais da Universidade de Brasília (UnB) Juliano Cortinhas, o governo brasileiro pode reduzir a vulnerabilidade do País se voltar a fazer o dever de casa, fortalecendo as agências ambientais e a matriz energética limpa para ter dados positivos na proteção do meio ambiente.

"Associar segurança e meio ambiente em relações internacionais é inevitável. Com as mudanças climáticas, a segurança de todos será afetada. E quem define os temas a serem securitizados são as grandes potências." Para ele, nossas Forças Armadas não têm como impedir a ação de grandes potências. E a solução não é aumentar o orçamento da Defesa, mas reequilibrá-lo, crescendo a conta de investimento e diminuindo a de pessoal. "A Marinha britânica tem 35 mil militares e a nossa tem 80 mil com menos da metade de navios e submarinos."

Cortinhas sublinha o efeito da adoção de padrões internacionais de proteção do meio ambiente. "Quem vai pressionar um país que tem resultados a mostrar?" Segundo ele, com Bolsonaro a vulnerabilidade do País cresceu. "Quando se começa a esconder dados, mascarar a realidade e dizer que a responsabilidade é de países que mais poluem, fica-se mais vulnerável às pressões internacionais."
 
Para o coronel Paulo Filho, o Brasil será pressionado se não mostrar que fez sua parte à comunidade internacional. "Precisamos ter posição madura. Não podemos negar as mudanças climáticas. Elas podem ser instrumentalizadas contra nossos interesses e servir ao protecionismo agrícola? Podem. É uma realidade. Mas elas também têm efeitos que devem ser combatidos."

Desconfiança

O governo brasileiro trata com desconfiança o interesse de potências estrangeiras na preservação da Amazônia. Para o especialista em geopolítica, coronel Paulo Filho, isso acontece em razão do protecionismo. Ou seja, a defesa do ambiente seria instrumentalizada para atacar as exportações do agronegócio do País.

"O Exército vê com desconfiança o interesse em relação à Amazônia, região com a qual tem uma relação afetiva e uma longa tradição de defesa." Na última década, a questão ambiental entrou na formação dos comandantes. "Quando fui comandar, em 2014 - a gente faz um curso -, não me falaram sobre meio ambiente. Agora, os comandantes recebem uma carga horária de 60 horas sobre meio ambiente."

No Reino Unido, o Ministério da Defesa criou um cargo, ocupado pelo general Richard Nugee, para lidar com mudanças climáticas. Após a COP-26, ele escreveu: "Devemos ser claros, nossa liberdade de manobra, da estratégia à tática, será constantemente erodida e diminuída. Portanto, para permanecer na vanguarda da capacidade operacional, é imperativo que entendamos o futuro e nos adaptemos a ele, da melhor maneira possível".

Sahel

Os exércitos estudam como as mudanças afetarão seu trabalho. Nos debates no Conselho de Segurança sobre a securitização do clima foram citados países que estão sofrendo ameaças à segurança em razão das mudanças climáticas, como os do Sahel, na África. Com a desertificação da área, populações inteiras seriam forçadas a migrar para o sul ou para o norte e para Europa.

Para Paulo Filho, o clima já é entendido como ameaça à segurança humana. "Faz parte das atribuições das Forças Armadas de todo o mundo a defesa dos seus cidadãos. Se vou ter catástrofe climática, subir o nível dos mares e provocar migrações em massa, isso se torna problema de segurança." A securitização do clima, disse ele, está ligada ainda ao fato de o Ocidente, após a Guerra Fria, ter dado mais ênfase a temas ligados à segurança humana. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.



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