Em entrevista ao 'Estadão', governador paulista e pré-candidato tucano afirma que 'não há sentimento de depuração no PSDB'
Pedro Venceslau*
Logo após vencer as prévias do PSDB, o governador de São Paulo, João Doria, embarcou para uma viagem a Nova York organizada pela Investe SP para encontrar investidores e autoridades na qual se apresentou com um presidenciável moderado. Em seguidas reuniões ao lado de seu secretário da Fazenda, Henrique Meirelles (PSD), defendeu o teto de gastos e fez um contraponto ao presidente Jair Bolsonaro.
No plano partidário, modelou o discurso. Na condição de presidenciável tucano, passou a defender a pacificação com a ala bolsonarista da legenda e desistiu de brigar pela expulsão de seu maior desafeto, o deputado federal Aécio Neves (MG).
Em entrevista ao Estadão, disse que acredita que ele e o ex-ministro e ex-juiz Sérgio Moro (Podemos) estarão "no mesmo campo em 2022, mas não necessariamente na mesma candidatura". Doria afirma também que os cinco anos de mandatos públicos o fizeram incluir o social em sua visão econômica. "Hoje, dada a realidade do País e de São Paulo, estou muito mais vinculado a uma política liberal e social do que quando eu era apenas um empresário. Minha visão era que uma postura liberal resolveria tudo. Não resolve."
Leia os principais trechos da entrevista:
Como será o processo de recolher os cacos no PSDB após um processo tão acirrado de prévias?
Toda campanha é dura. Vivi essa experiência em 2016 e 2018. Venci as duas prévias e as duas eleições na sequência. Não será diferente agora. O pós-prévias funciona como um ímã. Isso é gradual.
O presidente do PSDB, Bruno Araújo, teria sugerido a ideia de que os partidos do centro eventualmente façam um movimento para escolher um candidato único deste campo. O que acha dessa proposta? Seria o caso de fazer prévias do centro?
Não conversei com Bruno Araújo sobre isso, nem ele comigo. Desconheço essa proposta.
Como será a conversa com os partidos do centro?
É uma conversa que começa agora e vai até abril do ano que vem. Vamos ter um bom diálogo para definir não apenas qual o candidato que terá mais chances eleitoralmente, mas também capacidade de enfrentamento com o Lula e o Bolsonaro, os dois extremistas que lideram o processo eleitoral. Não adianta vencer a eleição e não ter gestão.
O deputado Aécio Neves defende que a prioridade do PSDB deve ser eleger uma grande bancada em vez do presidente da República em 2022. Depois das prévias, como fica a situação dele no partido? Como está o clima na legenda?
O PSDB deve prioritariamente ter sim um candidato a presidente da República e fazer uma grande bancada.
Mas como fica a situação do Aécio? O sr. já defendeu a expulsão dele do PSDB, o que não aconteceu, sendo uma derrota política naquele momento...
Melhor você perguntar a ele.
O sr. está agora mais paz e amor?
O PSDB deve estar integrado e harmonizado. Se não com a unidade, muito próximo dela. O PSDB é um partido sem dono. Tem muitas cabeças, muitas sentenças e muitas posições que precisam ser consideradas. O tempo vai ajudar a destilar e permitir que o PSDB se fortaleça ainda mais depois das prévias.
Mas há dentro do PSDB um número grande de parlamentares que são bolsonaristas. Como o sr. vai tratar essa questão?
O comportamento de ontem e hoje não será necessariamente o de amanhã. Por isso o diálogo e o respeito ao tempo.
Então não prevê uma depuração no partido?
Não é esse sentimento e essa sentença. O comportamento do PSDB naturalmente vai verter em torno de sua candidatura à Presidência da República, mas isso de forma natural, e não na força e na imposição.
O apresentador José Luiz Datena rompeu com o PSD e declarou apoio ao sr. Ele é um potencial candidato a vice em sua chapa?
Vejo Datena com mais disposição de ser candidato ao Senado por São Paulo. Se assim for, tem grandes chances de ser eleito. Já estamos juntos, e para isso não é necessário que ele se filie ao PSDB.
Como vê esse movimento do ex- governador Geraldo Alckmin de aproximação com o ex- presidente Lula, enquanto ainda permanece no PSDB?
Essa é uma análise que cabe ao próprio governador Geraldo Alckmin definir as motivações para essa aproximação com o ex-presidente Lula, que ele e o PSDB sempre combateram nos últimos 20 anos.
Em 2022, qual será seu principal adversário: o PT ou o Bolsonaro?
Os extremistas, tanto o Lula quanto o Bolsonaro.
O ex-ministro Sérgio Moro (Podemos) se reuniu com Eduardo Leite no Rio Grande do Sul. Como o sr. avalia esse encontro?
Com absoluta naturalidade. Não vejo nenhum inconveniente. Ele (Moro) é pré-candidato do Podemos. Todos nós estamos no mesmo campo democrático liberal.
O sr. enxerga alguma possibilidade de estar na mesma chapa de Moro em 2022?
Estaremos juntos no mesmo campo, mas não necessariamente na mesma candidatura. Temos o mesmo objetivo, que é defender o Brasil e os brasileiros.
Na mesma chapa é mais difícil?
É muito cedo ainda para fazer uma definição sobre isso. O tempo vai dizer se isso é possível. Mas estaremos no mesmo campo e longe dos extremistas.
Henrique Meirelles foi anunciado porta-voz do seu futuro plano econômico, mas ele segue com o projeto de disputar o Senado em Goiás pelo PSD, de Gilberto Kassab, que planeja lançar Rodrigo Pacheco à Presidência em 2022. Como o sr. vai administrar essa divisão?
Neste momento vamos trabalhar com a informação que é sólida. Ele foi convidado e aceitou ser o porta-voz do comitê econômico da nossa candidatura.
Qual seria o modelo ideal de negócio da Petrobras? Meirelles defendeu privatizá-la, mas só depois de fatiá-la.
A ideia não é transferir um monopólio público para outro privado. Haverá uma modelagem bem feita e profunda para garantir que a Petrobras possa cumprir um novo papel em sua história nas mãos da economia privada. Ela não terá o mesmo tamanho que tem hoje. Será fatiada. As empresas que vencerem o leilão terão que mensalmente aportar recursos a um fundo de compensação que será um colchão a cada vez que tivermos aumentos mais expressivos no barril de petróleo no plano internacional.
O sr. tem alguma expectativa de contar com apoio de partidos do Centrão em sua chapa?
Não temos nenhuma restrição a alianças, desde que sejam republicanas.
Qual será o papel de Eduardo Leite na sua campanha?
Espero que seja digno e respeitoso, mas quero esclarecer que nunca o convidei para ser coordenador. Nem faria sentido. Ele é governador do Rio Grande do Sul. Teremos uma conversa nos próximos dias.
Faz hoje alguma autocrítica sobre seu estilo de fazer política?
O que me coloca distintamente em relação ao João Doria de 2016 é o sentimento social. Hoje, dada a realidade do País e de São Paulo, estou muito mais vinculado a uma política liberal e social do que quando eu era apenas um empresário. Minha visão era que uma postura liberal resolveria tudo. Não resolve.
O que Nova York tem a ensinar a São Paulo, e vice-versa, no combate à pandemia? O prefeito Ricardo Nunes (MDB), por exemplo, ficou empolgado com as tendas de teste de PCR grátis que estão disponíveis pela cidade.
Do ponto de vista de saúde sanitária, São Paulo tem mais a ensinar a Nova York do que aprender. Esse tema das tendas que encantou o prefeito pode ser uma alternativa no período pós-pandemia. Mas hoje quem tem a ensinar a Nova York sobre imunização é São Paulo.