Segundo Priscilla Fialho, como na maioria dos países, o perfil de crescimento trimestral do País tem sido diferente do esperado inicialmente, por conta das novas ondas da pandemia
Célia Froufe
A Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômicos (OCDE), grupo do qual o Brasil quer fazer parte, reduziu de 2,3% para 1,4% a previsão de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro em 2022, bem abaixo da média mundial, que deve ser de 4,5%.
Em entrevista ao Estadão/Broadcast, a economista para o Brasil da instituição que fica em Paris, Priscilla Fialho, prevê que apenas no segundo semestre do ano que vem a economia doméstica terá forças para começar um processo de aceleração.
"Como na maioria dos países, o perfil de crescimento trimestral tem sido diferente do esperado inicialmente, devido às sucessivas ondas epidêmicas e às medidas de restrição à mobilidade para prevenir a propagação do vírus que foram introduzidas e levantadas em diferentes momentos", observou, lembrando que novos comandos de fechamento já voltam a ocorrer na Europa.
Em meio a imbróglios sucessivos de política fiscal, Priscilla também pediu mais clareza do governo brasileiro na sustentabilidade das contas públicas. "É preciso reduzir as incertezas e aumentar a credibilidade das regras fiscais", afirmou. Leia a entrevista concedida pela economista por email.
As novas projeções da OCDE para o crescimento do PIB brasileiro são de 5% em 2021, de 1,4% em 2022 e de 2,1% em 2023. A retomada em "V" depois da pandemia sobre a qual o governo tanto falou ficou para trás?
Como na maioria dos países, o perfil de crescimento trimestral tem sido diferente do esperado inicialmente, devido às sucessivas ondas epidêmicas e às medidas de restrição à mobilidade para prevenir a propagação do vírus que foram introduzidas e levantadas em diferentes momentos.
Segundo as suas projeções para o Brasil, a expansão deste ano se dá por conta da campanha de vacinação, do aumento do consumo e do investimento privado. Esses elementos não têm mais como contribuir a partir do ano que vem? Por quê?
Há uma desaceleração no final do ano de 2021, que deverá persistir até meados de 2022, enquanto os gargalos nas cadeias de oferta mundiais persistirem, a inflação se mantiver elevada e o Banco Central continuar a apertar a política monetária em resposta - o que piora as condições de crédito e desacelera o investimento. A recuperação deverá voltar a acelerar progressivamente na segunda metade do ano de 2022, quando, pouco a pouco, a oferta e as cadeias de distribuição possam se adaptar à demanda, a inflação desacelere e o rendimento das famílias melhore com a recuperação do emprego e a subida do poder de compra. Aí, podemos esperar que a confiança tanto dos consumidores como das empresas volte a subir, e que o consumo e o investimento privado se acelerem de novo.
A OCDE conta com "riscos de baixa importantes" para a previsão do crescimento do PIB em 2022. Quais são eles?
Há muitas incertezas à volta dessas projeções. Por exemplo, não estamos ao abrigo de um regresso da epidemia e de novas restrições de mobilidade, como já se começa a observar na Europa.
O diretor do Banco Central Fabio Kanczuk admitiu que a comunicação do BC brasileiro tem feito com que os agentes criem diferentes cenários de projeções para a política monetária. Qual a expectativa da OCDE para o rumo dos juros domésticos, tendo como referência o que está acontecendo no resto do globo?
Espera-se que o banco continue a aumentar a taxa de referência nos próximos meses e até que a inflação desacelere.
Além das questões sociais, a OCDE avalia que gastos públicos mais eficientes podem impulsionar a economia brasileira. Como é visto o imbróglio em torno do pagamento dos precatórios e suas consequências no exterior?
As incertezas quanto à política fiscal aumentam a percepção de risco nos mercados, o que afeta a taxa de câmbio e a valorização do real face ao dólar. Dessa maneira, as matérias importadas ficam mais caras, o que também contribui para a inflação no Brasil. Por outro lado, as mudanças que afetem o teto de gastos e o quadro fiscal no Brasil podem gerar dúvidas e criar incerteza quanto à gestão das finanças públicas a longo prazo. Isso pode influenciar as expectativas de inflação. Se isso se verificar, então aí a inflação pode persistir mais que o esperado. Por isso, é importante haver alguma claridade sobre os planos fiscais a curto e longo prazos. É preciso reduzir as incertezas e aumentar a credibilidade das regras fiscais.
A OCDE fala mais uma vez sobre a necessidade de uma regulação dos gastos públicos. Essa, imagino, é apenas uma sugestão de longo prazo, já que praticamente não há mais tempo hábil para essa questão ainda no governo de Bolsonaro. É isso mesmo?
É uma recomendação a médio prazo. A dívida pública no Brasil é alta e as taxas de juros crescentes aumentam seu custo. Aumentar a eficiência dos gastos públicos criaria o espaço fiscal necessário para melhorar o equilíbrio fiscal e financiar as prioridades do governo. Os itens de gastos obrigatórios reduziram o espaço para a política fiscal, uma vez que mais de 90% do Orçamento agora é determinado por lei. O Brasil precisa reduzir a rigidez orçamentária, revisando a vinculação de receitas, as metas de gastos obrigatórias e os mecanismos de indexação.
Há a expectativa de que em breve seja aprovado pelo Congresso Nacional um projeto de lei que modernizará o mercado cambial brasileiro. Assim, o País ficará um pouco mais alinhado com os padrões da OCDE. Na sua opinião, o Brasil tem conseguido se aproximar verdadeiramente das normas e padrões internacionais?
O Brasil já aderiu a 94 instrumentos jurídicos da OCDE, que são padrões, melhores práticas e diretrizes de políticas, desenvolvidas pelos comitês da Organização. Recentemente, o Brasil pediu a adesão a mais 52 instrumentos, incluindo os Códigos de Liberalização dos Movimentos de Capital. O Brasil tem sido o país não-membro mais engajado na OCDE, participando no maior número de órgãos e projetos, entre os quais 14 em total pé de igualdade com membros da Organização.