Sem representante no País, importações são feitas de forma independente; como não há garantia de manutenção da fábrica
Cleide Silva
A marca não tem representante, oficina e muito menos planos de ter fábrica no Brasil, mas já tem um grupo, quase uma "irmandade", que reúne cerca de 100 fãs e donos de Tesla que pagaram de R$ 600 mil a mais de R$ 1,2 milhão para importar, de forma independente, modelos da marca.
Os apaixonados pela Tesla não se intimidam com eventuais dificuldades em ter um carro importado sem garantia de manutenção. Por não ter representação local e nem exportar diretamente para o Brasil, a empresa se isenta de prestação de serviços, a não ser remotamente.
Além de trocar informações, o grupo chamado "100% Tesla Club Brasil" adotou estratégia peculiar: pelo menos uma vez ao ano traz ao País um técnico da marca para fazer a manutenção básica e eventuais consertos nos automóveis.
Na última vez em que o técnico esteve no País, em 2019, os membros se cotizaram para pagar entre R$ 30 mil e R$ 45 mil por passagens e estadia. Em 2020 a viagem não foi possível por causa da pandemia, mas o grupo tenta trazê-lo de novo ainda este ano.
Nem lojas que vendem os modelos, como a Osten, oferecem garantia de fábrica, e também precisam fazer a importação de forma independente. A Osten, rede de veículos de luxo, informa ter parcerias com redes que realizam manutenção corretiva. O grupo importou este ano 11 Teslas, dos quais nove foram vendidos e dois estão no serviço de assinatura (locação de longo prazo).
Como o país com representação da Tesla mais próximo ao Brasil é o México, por enquanto é de lá que vem o técnico para atender os clientes brasileiros. Ele embarca com equipamentos e peças para reposição encomendadas com antecedência pelos proprietários.
O profissional permanece no Brasil por três dias a uma semana e atende uma lista de agendamentos feita pelo grupo em uma oficina cedida para o trabalho em São Paulo ou Santa Catarina.
'Tesla Boy' já importou sete modelos
De acordo com dados do Renavam, há 102 Tesla rodando pelo Brasil. Só o empresário Daniel Lunelli, morador de Jaraguá do Sul (SC), importou até agora sete modelos. Quatro seguem com ele e o oitavo já foi encomendado.
Apelidado de "Tesla Boy", Lunelli conta ser apaixonado pelo torque e pelo motor elétrico. "O carro é extremamente rápido, super potente, muito seguro, tem autonomia de 400 km, conectividade com o celular que nenhum outro tem e exige pouca manutenção".
Segundo ele, o sistema semiautônomo "é muito bacana" - lê semáforos, detecta pessoas próximas e na estrada é possível tirar as mãos do volante. O sistema, contudo, não funciona aqui de forma tão completa como lá fora, afirma. "Ele, por exemplo, não reconhece lombadas, buracos e 'tartarugas'."
Lunelli dirigiu o Tesla em viagens aos Estados Unidos e foi amor à primeira acelerada. No início, teve receio de importar pela ausência de representação oficial no País, mas não resistiu. Admite, contudo, que "ter um Tesla no Brasil é só para doido pois, se acontece alguma coisa, não tem como resolver aqui", diz. "Se quebra um para-brisa, tem de importar."
O empresário de 39 anos, dono de uma construtora e de uma confecção, fala por experiência própria. Alguns meses após comprar um SUV Model X, modelo mais caro da marca, começou a ver no painel uma luz de alerta do motor traseiro. O problema só poderia ser resolvido em um centro técnico da fabricante. Ele, contudo, seguiu rodando com o carro por dois anos.
Quando decidiu vendê-lo, colocou o carro num navio e enviou para a fábrica nos EUA, onde o motor foi substituído - sem custo por tratar-se de defeito de fabricação -, e embarcado de volta 45 dias depois. Lunelli pagou US$ 3,5 mil pelo transporte. Hoje ele tem um Model 3, um Model Y e dois Model X, versão com portas que abrem para cima, tipo gaivota.
Lunelli se tornou uma espécie de consultor para donos de Tesla e interessados em adquirir um. Ele torce para que a fabricante se instale no Brasil, mas sabe que isso é difícil, em parte pela falta de uma política de atração a esse tipo de investimento.
Outra grande barreira é que Elon Musk, dono da empresa, só está de olho em grandes mercados. Além dos EUA, há uma fábrica na China e uma a ser inaugurada na Alemanha. "Meu sonho é ter pelo menos uma loja oficial ou uma oficina credenciada aqui", afirma o empresário, que está disposto a investir em um desses projetos, se Musk autorizar.
Tudo por aplicativo
Ao importar o carro, o comprador está ciente da isenção da marca com serviços de manutenção em países onde não atua, chamados de "gray market" (mercado cinza). A Tesla, porém, não nega atendimento online.
"Pelo aplicativo do carro é possível falar com um técnico nos EUA e ele consegue entrar remotamente no sistema, fazer um diagnóstico e, se o problema for simples, explica como resolver", informa Rafael Leonhardt, dono de um sedã Model 3 há um ano e meio. "Meu carro tem 57 mil km rodados e ainda não precisou de manutenção", diz.
O empresário do ramo de máquinas digitais justifica que o carro elétrico não tem filtro de óleo, câmbio, correia, filtro de ar do motor e velas, itens de alto desgaste que precisam ser trocados com frequência nos veículos a combustão. Para os Tesla, a recomendação é substituir o filtro do ar-condicionado a cada dois anos e o fluído de freio.
O único problema no carro de Leonhardt, que mora em Santos e viaja quase todos os dias para São Paulo, foi um chiado no som. O empresário abriu um chamado pelo aplicativo e o técnico marcou data e horário em que iria se conectar ao carro.
Após o diagnóstico, enviou relatório informando o problema e um vídeo explicando como resolvê-lo. O próprio dono fez o procedimento. "Nunca mais quero outro tipo de carro; ele não tem o melhor acabamento, mas é imbatível no dia a dia", afirma Leonhardt, de 44 anos.
Frequentemente o software os modelos Tesla são atualizados também remotamente. "Com isso, parece que o carro nunca envelhece", afirma Lunelli.
Curso nos EUA
Quando ocorre um problema mais sério, os amantes da Tesla recorrem a Odair José Borges de Freitas, de 46 anos. Ele é dono da ABF Auto Mecânica, oficina de Jaraguá do Sul especializada em carros premium e um dos poucos profissionais com conhecimento técnico dos Tesla e que atende proprietários de vários Estados.
Freitas já fez cursos sobre manutenção de carros elétricos e no mês passado se preparava para ir aos EUA para um curso específico sobre modelos Tesla (em especial o Model 3, o mais vendido da marca).
Com o curso, ele poderia certificar sua oficina como autorizada da marca. "Como o consulado americano não está emitindo vistos não consegui ir; só vou no próximo ano", lamenta Freitas.
Ele pretende investir cerca de R$ 50 mil na compra de um scanner que faz a leitura do carro e identifica os problemas. Também há pelo menos duas oficinas que estão se especializando em modelos da Tesla, a Frison, em São Paulo, e a TBox, no Rio.
Maior exportador de Tesla
A maioria dos Tesla chegou ao Brasil com assessoria de Daniel Panizzi Reis, brasileiro de 41 anos que migrou para os EUA aos 19 anos. Ele passou por empregos de entregador de jornal, cozinheiro e vendedor de carros em concessionária e se especializou em exportação.
Há 10 anos abriu a DPR Trading para intermediar exportações de vários produtos, mas, desde 2018, passou a focar a clientela de modelos Tesla, que se tornou seu maior negócio. Hoje ele atende compradores de mais de 20 países, pessoas físicas e revendedores. "Já exportamos cerca de mil Tesla; só neste ano serão 450", diz.
"Somos considerada a principal empresa de exportação desses modelos", afirma Reis, que tem acesso livre à fábrica de Musk para onde vai com frequência para receber, vistoriar e liberar os carros de seus clientes.
Como importar diretamente um automóvel
Vantagem: O preço do carro fica cerca de 20% a 25% abaixo do cobrado por uma revenda que normalmente precisa repassar os custos de sua estrutura e serviços ao consumidor final
Desvantagem: A revenda tem condições de oferecer financiamento e aceitar outro carro
Radar: Primeiro, o interessado, por meio de um despachante, precisa obter na Receita Federal a habilitação de um "radar", documento que autoriza a importação. Para concedê-lo, o órgão exige documentos como a Declaração de IR para verificar se a pessoa tem capacidade financeira para realizar o processo, se não se trata de um 'laranja' para lavagem de dinheiro etc
Remessa: A par do preço médio que vai pagar no veículo após fazer um orçamento, o importador faz uma remessa internacional por meio de uma corretora de valor ou do banco, gerando assim um contrato de câmbio atrelado ao Banco Central
Comprovação de propriedade: Ao receber o valor, o intermediário faz a compra, aguarda a entrega do carro e a documentação que precisa ser levada ao departamento regulador do país (similar ao Detran) para comprovar a propriedade do veículo
Comprovação de importação: O documento sai no nome do exportador, que depois fatura o carro para o cliente e realiza o embarque para o Brasil por navio. Na chegada ao porto local é feita, por um despachante, a Declaração de Importação (DI) para cálculos de impostos e depois a Comprovação de Importação (CI) para mostrar que todas as despesas foram pagas e o carro ser liberado pela Receita Federal