Weslley Galzo e Pepita Ortega
Em um julgamento marcado por duros recados ao Palácio do Planalto, os ministros do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) decidiram, por unanimidade, rejeitar as ações que pediam a cassação do presidente Jair Bolsonaro e seu vice, Hamilton Mourão, por disparos de notícias falsas em massa nas eleições de 2018. Em contrapartida, o colegiado firmou algumas teses que, na prática, tentam impedir que o chefe do Executivo adote as mesmas estratégias que impulsionaram sua eleição em 2018. A principal delas foi considerar a prática do envio de mensagens em larga escala por aplicativo de celular irregular.
"Esse aspecto, embora por si não constitua qualquer ilegalidade, assumiu, a meu juízo, contornos de ilicitude, a partir do momento em que se promoveu o uso dessas ferramentas com o objetivo de minar indevidamente candidaturas adversárias, em especial a dos segundos colocados", disse o ministro Luis Felipe Salomão durante o julgamento. Em outra frente, a Câmara deve votar na semana que vem um projeto para coibir a propagação de fake news, que pode proibir no País a atividade de empresas como o Telegram, nova rede favorita dos bolsonaristas.
Ao proclamar o resultado do julgamento, o presidente do TSE, Luís Roberto Barroso, frisou que a 'maioria expressiva' da corte entendeu que houve condutas ilícitas relacionadas aos disparos em massa e à difusão de desinformação. A chapa Bolsonaro/Mourão foi acusada pela coligação "O Povo Feliz de Novo", encabeçada pelo PT com o apoio do PC do B e do PROS, de promover envios de notícias falsas e ataques em larga escala contra seus oponentes, por meio do WhatsApp, durante as eleições de 2018.
"Todo mundo sabe o que aconteceu, ninguém tem dúvida de que as mídias sociais foram inundadas com disparos em massa ilegais, com ódio, desinformação, calúnia e teorias conspiratórias. Basta ter olhos de ver para saber o que aconteceu no Brasil", disse Barroso.
O colegiado, no entanto, entendeu que a condenação não é aplicável por não ter sido possível 'provar suficientemente a conexão com a chapa vencedora, e não se ter demonstrado a gravidade dos fatos, uma vez que não se obtiveram as mensagens nem a comprovação de compra por pessoas ligadas à campanha'.
"Ainda que o uso de disparos em massa nas eleições de 2018 seja notório, exige-se para a condenação que a prova produzida efetivamente demonstre a compra de pacotes de disparos em massa no WhatsApp para disseminar notícias falsas contra a adversários e a existência dessa estrutura piramidal de comportamentos inautênticos e mafiosos para a distribuição de conteúdos falsos", afirmou o presidente do TSE.
Bolsonaro conquistou uma vitória parcial na primeira sessão do TSE realizada na terça-feira, 26. No julgamento de hoje, os ministros Carlos Horbach, Edson Fachin, Alexandre de Moraes e Luís Roberto Barroso juntaram seus votos no sentido de rejeitar as denúncias contra a chapa presidencial eleita em 2018. O corregedor-geral da Justiça Eleitoral, Luis Felipe Salomão, e os ministros Mauro Campbell e Sérgio Banhos já haviam votado no mesmo sentido.
O resultado unânime foi alcançado com divergência em relação aos argumentos utilizados para tomar a decisão. Os ministros Carlos Horbach e Sergio Banhos sustentaram que os autores da ação sequer provaram a existência de um esquema de difamação contra os adversários da chapa bolsonarista, assim como não provaram que os supostos ataques difamatórios teriam tido a gravidade apontada pelos demais ministros.
Embora o colegiado tenha descartado a alternativa judicial para afastar o presidente do cargo e impedi-lo de disputar a reeleição, no ano que vem, a Corte abriu discussão para aprovar uma nova tese jurídica sobre disparos em massa com o objetivo de desqualificar oponentes. Neste quesito também houve divergência, o ministro Carlos Horbach negou a fixação da proposta por, segundo ele, estabelecer um conceito ampliado do que são meios de comunicação social e eventualmente limitar direitos políticos fundamentais. O ministro Edson Fachin apoiou a proposição, mas criticou os parâmetros estabelecidos.
Relator das ações, Salomão propôs que o julgamento sirva de baliza para casos semelhantes no futuro. Ele quer que o uso de aplicativos de mensagens, com financiamento de empresas privadas, na tentativa de tumultuar as eleições com desinformação e ataques, passe a ser considerado um elemento suficiente para condenar candidatos por abuso do poder econômico e uso indevido dos meios de comunicação. A pena seria, além da eventual perda de mandato, a inelegibilidade por oito anos.
Para isso, foram estabelecidos cinco parâmetros para analisar a gravidade de casos semelhantes: o teor das mensagens contendo informações falsas e propaganda negativa; a repercussão no eleitorado; o alcance do ilícito, em termos de mensagens veiculadas; o grau de participação dos candidatos nos disparos; e o financiamento de empresas privadas, com a finalidade de interferir na campanha.
RECADOS AO PLANALTO
Com o caso já decidido, os ministros oriundos do Supremo Tribunal Federal (STF) usaram o julgamento para sinalizar de forma objetiva aos candidatos no ano que vem, em especial o presidente Bolsonaro, que o TSE não vai tolerar eventos semelhantes aos de 2018. O ministro Alexandre de Moraes, que vai presidir o tribunal durante as eleições de 2022, fez o discurso mais enfático contra as campanhas de desinformação. De antemão, ele apontou que é 'fato mais do que notório' que os disparos em massa ocorreram e continuam ocorrendo, por isso propôs punições severas a partir da aprovação dessa tese, como a prisão de infratores.
"A neutralidade da Justiça que tradicionalmente se configura como a "Justiça é cega", não se confunde com tolice. A justiça não é tola. Podemos absolver por falta de provas, mas nós sabemos o que ocorreu. Nós sabemos o que vem ocorrendo e não vamos permitir que isso ocorra. É muito importante esse julgamento, porque nós não podemos criar um precedente de que tudo que foi feito 'vamos passar um pano'. Essas milícias digitais continuam se preparando para disseminar o ódio, conspiração, medo, influenciar eleições e destruir a democracia", registrou.
"Com um recado muito claro: se houver repetição do que foi feito em 2018, o registro será cassado e as pessoas que assim fizerem irão para a cadeia por atentar contra as instituições e a democracia no Brasil".
O ministro ainda destacou a importância do julgamento, indicando que a falta de provas pode dificultar a condenação, mas não impede a 'absorção, pela Justiça Eleitoral do modus operandi que foi realizado e vai ser combatido nas eleições 2022'.
"Nós já sabemos quais são os mecanismos, já sabemos quais são as provas rápidas que devem ser obtidas, em quanto tempo e como. Não vamos admitir que essas milícias digitais tentem novamente desestabilizar as eleições, as instituições democráticas a partir de financiamento espúrios não declarados, a partir de interesses econômicos também não declarados", ponderou.
O ministro foi incisivo em relação à criação de uma tese sobre o tema, com ênfase na necessidade do dispositivo para o combate à disseminação de discurso de ódio 'contra as eleições, contra a Justiça Eleitoral e contra a democracia' nas eleições 2022.
LEGADO DE SALOMÃO
O presidente da Corte afirmou que o julgamento "não é uma decisão para o passado, mas para o futuro". Segundo Barroso, a tese e as discussões propostas na sessão serviram para estabelecer "os contornos que vão demarcar a democracia brasileira e as eleições do próximo ano". Dentre as disposições analisadas no julgamento, está o aprofundamento das discussões com as redes sociais para regular os conteúdos falsos.
"Eu considero que esse é um julgamento emblemático que marca a despedida do ministro Salomão porque nós estamos buscando fincar marcos para o futuro, tanto para o comportamento dos candidatos, como também para o comportamento das mídias sociais. Não há como enfrentar o ódio e a desinformação sem uma parceria imprescindível com as mídias sociais", afirmou.
O julgamento foi o último grande ato de Salomão como corregedor do TSE. Ele passará o cargo para o ministro Mauro Campbell na próxima sexta-feira, 29. Como relator do caso, Salomão foi responsável por imprimir celeridade ao processo de investigação. Antes dele, outros dois ministros haviam conduzido as ações contra a chapa presidencial sem que houvesse avanços em direção a um desfecho.
O voto de Salomão no julgamento guiou o entendimento dos demais ministros no caso envolvendo os atuais ocupantes dos Palácios da Alvorada e do Jaburu, o corregedor disse reconhecer a ocorrência de disparos em massa na campanha de 2018. Avaliou, porém, que as provas juntadas aos autos do processo não foram suficientes para condenar os vencedores da eleição presidencial. O caso tramitou na Corte por quase três anos e chegou a ser reaberto para reunir novos elementos.
"De fato, as provas dos autos demonstram que, ao menos desde o início da campanha, o foco residiu mesmo na mobilização e captação de votos mediante o uso de ferramentas tecnológicas, fosse na internet ou, mais especificamente, em redes sociais e aplicativos de mensagens instantâneas" afirmou Salomão. "Esse aspecto, embora por si não constitua qualquer ilegalidade, assumiu, a meu juízo, contornos de ilicitude, a partir do momento em que se promoveu o uso dessas ferramentas com o objetivo de minar indevidamente candidaturas adversárias, em especial a dos segundos colocados", completou.
A despeito do conhecimento dos fatos, Salomão argumentou que "a parte autora (Coligação O Povo Feliz de Novo) não logrou comprovar nenhum dos parâmetros essenciais para a gravidade no caso, apesar das inúmeras provas deferidas nessas duas ações".
A produção de provas começou a caminhar após cooperação entre Salomão e o ministro do STF e do próprio TSE, Alexandre de Moraes. Em setembro, Moraes compartilhou as provas dos inquéritos das fake news e das milícias digitais com a Corte eleitoral. Durante a leitura do voto, Salomão citou diversas vezes os elementos probatórios levantados pelas investigações em curso no Supremo.
"As provas compartilhadas pelo STF corroboram a assertiva de que, no mínimo desde 2017, pessoas próximas ao hoje presidente Jair Bolsonaro atuavam de modo permanente na mobilização digital, tendo como modus operandi ataques a adversários políticos e, mais recentemente, às próprias instituições democráticas", disse Salomão. "Essa mobilização que se pode aferir sem maiores dificuldades vem ocorrendo ao longo do ano em diversos meios digitais".